#2 alfabeto
Acho que vai ser sempre assim. O que poderia ter sido e não foi. Quem eu poderia ter sido e não fui. Parece que a possibilidade de ser algo que não sou é sempre enclausurante. Assim como é a palavra “sempre”.
“Ser algo” e “sempre” sempre carregam o peso da finitude. Não pode ser outra coisa, nunca. Tem que ser aquilo, sempre.
Na psicanálise falamos sobre a escolha entre X e vários Y ser tão difícil porque lembra-nos de nossa castração. Não podemos ser o alfabeto inteiro. Queria ser como aquelas vitaminas que fazem propaganda, de A a Z. E nem sei o que é o A, o B, o C, o D, …, o Z. Só sei que queria ser todos eles.
Queria o dom de curvatura do A e do O, queria a fortaleza do T, as várias possibilidades do X e do S, queria a excentricidade do Ç, a força do R, a plenitude do B, o preenchimento do U. Mas sou só A, B e R. O que é bastante, mas não é tudo. São só três letras!
Queria parar de me preocupar com as demais letras do alfabeto. Queria deixar de querer ser o que não sou. Mas de alguma forma, é isso que me movimenta? Nem é. É isso que me prende e me faz infeliz. É isso que me deixa angustiada.
Tenho falado sobre a dificuldade de lidar com a falta, mas talvez não seja sobre isso. Talvez seja a dificuldade de lidar com o que sobra e o com o que eu sou, de fato.
Não sou todas as outras letras do alfabeto, mas onde é que encontro o manual do que fazer com o A, o B e o R???